No mês passado estive nos municípios de Três Passos e Campo Novo, a 50 km da fronteira com a Argentina, no Noroeste do Rio Grande do Sul. Viajei a convite da Cotricampo, uma cooperativa que tem o maior moinho de trigo do Brasil e que não capta nem processa leite; ela está focada em grãos. Mas cerca de 80% dos seus cooperados produzem leite. Uma parte razoável é apenas de produtores de leite. São aqueles que têm pouca terra e não conseguem mais acompanhar as exigências de crescentes investimentos em grandes maquinarias que os grãos apresentam.
Este fenômeno de cooperativas de grãos, suínos e aves serem arrastadas para o leite já ocorre há mais de vinte anos, na região Sul. Vale lembrar que a cooperativa catarinense Aurora, na origem, tinha na proteína animal o seu negócio. Para apoiar os seus cooperados que iam trocando de atividade, na comercialização chegou a ter mais de 1 milhão de litros de leite/dia, antes de decidir processar o leite produzido por seus cooperados. O mesmo vale para a Frimesa.
Três Passos e Campo Novo são municípios agrícolas, mas com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,822 e 0,736. Portanto, numa escala mundial, são considerados municípios desenvolvidos, de índices Muito Alto e Alto, respectivamente. Para comparação, Juiz de Fora (0,778) e Uberaba (0,772), têm IDH similares. Neste indicador, Três Passos empata com Curitiba e Campo Novo empata com Castro, a capital do leite. O IDH classifica uma sociedade em grau de desenvolvimento, combinando os indicadores de renda, educação e longevidade (expectativa de vida ao nascer).
O evento reuniu cerca de 400 produtores que vieram com a toda a família. Desde crianças com menos de dez anos até idosos, com mais de setenta anos. Mas quase a metade da plateia era formada por jovens leiteiros. Meninos de 15 a 20 anos, filhos de produtores familiares, que se dedicam a cursos profissionalizantes voltados para o agronegócio. Eles estão na fase de ficar em dúvida quanto a se migram para atividades urbanas ou se dedicam ao negócio da família.
O presidente da Cotricampo, Gelson Bridi, me agradeceu por ter deixado Minas Gerais e ido até eles. Eu lhes disse que me sentia em casa, pois saí da Minas Gerais tradicional para estar na nova Minas Gerais. E não era retórica. Afinal, o senhor Gelson nasceu em 1972, quando os três estados do Sul produziam 23% do leite brasileiro, menos do que Minas Gerais. Agora, já produzem 37%, mais do que a produção total dos estados da região Sudeste do Brasil. Produzem hoje 50% mais do que a produção brasileira de quando o senhor Gelson nasceu.
Entre o município gaúcho de Não-Me-Toque, que fica no noroeste do Estado, na região de Passo Fundo, e o município paranaense de Cascavel, que fica no sudoeste do Estado, está a nova Minas Gerais. Ali já se produz mais leite que este primeiro estado produtor brasileiro, com produtividade três vezes maior que a média nacional e superior à da Argentina, do Uruguai, Paraguai e demais países do Mercosul. Superam neste quesito a Nova Zelândia e países da Europa, como a Irlanda. E, o que é melhor, a um custo altamente competitivo em ternos de mercado internacional.
O que fez desta região a nova Minas Gerais? Há um conjunto de fatores. São produtores familiares, que moram na propriedade, em que o casal e os filhos trabalham juntos. Cabe à mulher cuidar dos animais e aos homens cuidar da alimentação e de outras culturas. Os filhos se dedicam ao estudo e ao leite, desde cedo. Boa parte se vincula a cooperativas ou a empresas que prestam serviços de assistência técnica, e os prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais buscam apoio neste segmento para se elegerem e, com isso, se comprometem politicamente com a causa do leite.
Portanto, as instituições funcionam a favor do leite. É isso que faz Ponta Grossa, Jaguaraíva, Passo Fundo, Toledo e Não-Me-Toque serem municípios com produtividade de leite com padrão europeu. Portanto, não estamos falando de produtividade de um rebanho, mas, sim, falando de produtividade de municípios. E, com um detalhe importante, com baixo custo de captação, dada a densidade por km, pois a produção por propriedade é mais homogênea que na Minas Gerais tradicional.
O que mais surpreende é a visão de futuro deles. Em fevereiro, a convite da Coopavel fizemos o dia Ideas For Milk para produtores e empresas, durante o Show rural Coopavel, em Cascavel, no Paraná. Em março, fizemos a semana Ideas For Milk, na Expodireto, em Não-Me-Toque, no Rio Grande do Sul. Agora, fizemos a palestra Ideas For Milk em Campo Novo. Nos três eventos, Coopavel, Cotrijal/CCGL e Cotricampo criaram condições para se discutir o Leite 4.0, ou seja, o que está acontecendo em termos de automação, empreendedorismo, startups, os novos valores na atividade leiteira. E trouxeram produtores, jovens e seus pais para interagirem conosco, da Embrapa, e com os meninos ganhadores do Ideas For Milk. Nesta região, estão construindo hoje o leite do futuro e o futuro do leite. Esta é a nova Minas Gerais!