Como planejar de forma eficiente a nutrição dos bovinos leiteiros

Por Letícia de Souza Santos, zootecnista, mestre em Zootecnia e analista de Produtos na Minerthal

 

A alimentação do rebanho é um dos custos mais impactantes e importantes que compõe o desembolso total da produção na atividade leiteira. Por isso, é indispensável que se tenha um planejamento alimentar preciso. Para isso é fundamental considerar todos os pontos essenciais que garantem máximo desempenho dos animais com menor custo possível.

Quando falamos em planejamento nutricional podemos agrupar, de forma simplória, dois pontos: provisionamento de ingredientes e manejo alimentar. Vamos considerar que o provisionamento de ingredientes leva em conta o tamanho e evolução do rebanho, dieta formulada pelo nutricionista, insumos disponíveis para compra na região, capacidade de produção de alimento na fazenda, dimensionamento de armazenagem, dentre outros pontos que garantam que todos os alimentos necessários estarão disponíveis durante o ano e com o menor custo possível, maximizando o lucro.

 

E o manejo alimentar? O que é e qual sua importância?

Além do provisionamento correto de matérias primas e formulação certeira da dieta, é de extrema importância garantir um eficaz manejo alimentar visando o consumo voluntário dos alimentos pelos animais nas proporções estabelecidas pelo técnico responsável, buscando melhor desempenho e, consequentemente, maior produtividade.

O cuidado com o manejo alimentar fica evidenciado quando ouvimos inúmeros nutricionistas dizendo que podemos “separar” a dieta formulada por eles, como se fossem quatro dietas completamente diferentes: dieta formulada pelo nutricionista (a do papel), a dieta que é misturada na fazenda (com todos os arredondamentos e possíveis erros de operação), a fornecida para os animais e a que de fato os animais consomem (considerando a seleção que os animais fazem ao consumir esta dieta).

O manejo alimentar tem como objetivo fazer com que a dieta formulada seja a mesma ou a mais próxima possível da ingerida pelo animal, fazendo com que o resultado colhido pelo produtor seja fiel ao planejado.

Para que isto ocorra é preciso conhecer os animais, o ambiente, os maquinários utilizados para pesagem, mistura e distribuição desta dieta, a infraestrutura da propriedade e treinamento da equipe que será responsável por essas etapas.

Como a adoção do correto manejo depende de vários fatores e varia de fazenda para fazenda, vamos dividir em tópicos alguns pontos importantes que precisamos observar a fim de escolher as melhores técnicas e conseguir de fato o melhor aproveitamento dos alimentos e produtividade das vacas.

Fatores que afetam o consumo da dieta

O consumo voluntário de alimentos pelas vacas é influenciado por dois principais fatores: físico (enchimento físico do rúmen causado pela fibra das dietas) e metabólico (sensação de saciedade causada por dietas com alta densidade energética). Basicamente, os alimentos que causam enchimento físico são os volumosos (silagens, pasto, entre outros) e os que trazem bastante energia para a dieta são os que compõem a fração concentrada ou farelada das dietas, conhecidos como ração.

No Brasil, o fator que mais limita o consumo é o físico e por isso precisamos ficar atentos a ele.

Quando falamos em limitação física do consumo, estamos falando na porcentagem de FDN (Fibra em Detergente Neutro) na composição da dieta. É recomendável, no máximo, consumo de 1,2% do peso vivo de FDN na dieta total das vacas. Valores acima disso podem limitar consumo e valores abaixo podem diminuir a mastigação, prejudicando saúde ruminal e, por consequência, a produtividade.

É importante lembrar que a capacidade de distensão do rúmen varia de acordo com a produção leiteira do animal. Ou seja, quanto maior a necessidade de nutrientes, maior será a tolerância do animal quanto à distensão ruminal.

Sabendo os dois principais fatores que controlam o consumo voluntário de alimentos pelos animais, vamos entender melhor cada porção da dieta e para isso separamos em dois grandes grupos: volumosos e concentrados.

Volumosos

Consideramos alimentos integrantes deste grupo aqueles que possuem nível superior a 18% de Fibra Bruta (FB) em sua composição. Portanto, esses alimentos são os principais responsáveis por fornecer este nutriente que comentamos anteriormente, garantindo a correta movimentação do alimento dentro do rúmen do animal e, consequentemente, melhor aproveitamento de tudo que é ingerido.

Em relação ao volumo, dois pontos essenciais no dia a dia da fazenda são importantes para serem observados: teor de matéria seca e tamanho das partículas.

Silagens, por exemplo, com teor de matéria seca por volta de 30%, facilitam o consumo e evitam a seleção de ingredientes pelos animais. Silagens com matéria seca mais alta que 30% tendem a reduzir o consumo. Silagens mais úmidas, com teor de MS um pouco abaixo dos 30% podem ter sua palatabilidade alterada por se tornar mais perecível. Por isso, é sempre bom tomar muito cuidado na observação do teor de umidade das silagens e ponto correto de ensilagem.

O tamanho das partículas na dieta também influencia no consumo, sendo que partículas menores possuem alta taxa de passagem, ficando menos tempo no rúmen, proporcionando assim maior consumo e no caso das partículas maiores ocorre o inverso; elas ficam mais tempo no rúmen.

O problema é que partículas maiores podem provocar um desequilíbrio na quantidade e na proporção dos ingredientes (provocada pela facilidade de seleção dos ingredientes) ingerida da dieta estabelecida pelo nutricionista. Por isso, identificar a maneira que estamos picando esse material antes de ser fornecido aos animais e adequar nosso maquinário contribui para correta nutrição.

 

Concentrados

Dentro dessa categoria colocamos os alimentos que possuem em sua composição um teor menor que 18% de FB, podendo ainda ser subcategorizados em concentrado energético (teor de proteína menor que 16%) e concentrado proteico (teor de proteína maior que 20%). 

Tratando-se desta categoria, a inclusão de ingredientes de alta palatabilidade é um ponto importante para aumento do consumo de matéria seca. A ração fornecida às vacas em lactação deve apresentar entre 18 a 24% de Proteína Bruta (PB) e acima de 70% de nutrientes digestíveis totais (NDT). O fornecimento pode seguir a regra de 1 kg de ração para cada 3 litros de leite produzidos.

 

Fornecimento da dieta

Após verificar os componentes da dieta, podemos partir para os métodos de fornecimento desta. Hoje em dia podemos dividir o fornecimento em dois grupos: ração totalmente misturada ou fornecimento com componentes separados.

 

TMR (Ração Totalmente Misturada)

A TMR ou dieta completa é a mistura dos volumosos, concentrados energéticos, concentrados proteicos, minerais e vitaminas. Adota-se este tipo de dieta para evitar que as vacas consumam grande quantidade de concentrado de uma só vez. Ao fornecer dieta completa é sugestivo alcançar o teor de matéria seca da mistura final entre 50 e 75%, e, como a silagem de grãos representa parcela significativa na dieta, monitorar a matéria seca, como mencionado, é primordial.

 

Componentes separados

Quando se utiliza o fornecimento da dieta com componentes separados, ou seja, consumo de pasto mais fornecimento de concentrado separado, ocorre maior dificuldade em formular dieta com teores específicos de nutrientes e o consumo do volumoso geralmente não é conhecido. Então, para otimizar este método, o que pode ser feita é uma simulação do consumo de volumoso pelo método do quadrado, estimando assim o consumo de nutrientes pelo pasto e completando o que falta via ração.

 

Fornecimento de mistura mineral

O fornecimento de minerais é de suma importância e, caso os animais estejam sob regime de pastagem e não recebam ração, estes devem ser suplementados no cocho coberto e à vontade, para evitar déficit dos minerais exigidos que possam limitar a produção.

 

Frequência de fornecimento

Além de atentar à dieta em si, aos métodos de fornecimento, a frequência com que é fornecida requer cuidados. Ela deve seguir a regra de que sempre precisa haver alimento disponível no cocho, ou seja, é preciso que haja sobra de alimento com a mesma aparência, cheiro e temperatura da que foi fornecida entre as refeições. Esta quantidade de sobras deve ser em torno de 3 a 5% da matéria natural fornecida e o ajuste precisa ser feito diariamente.

Para estimular o consumo, o sugerido é mexer ou empurrar a dieta a cada 30 minutos, duas horas após o período de fornecimento. Além disso, aumentar a quantidade de tratos por dia também influencia positivamente o consumo de matéria seca pelos animais.

 

Consumo de água

Outro item bastante importante, quando se trata do manejo alimentar de vacas leiteiras, é o consumo de água. Isso porque o consumo inadequado influencia diretamente o desempenho na produção leiteira. A conta é simples: as vacas precisam beber cerca de 2,6 litros de água limpa e fresca para produzir 1 litro de leite. Assim, o consumo médio para uma vaca em lactação é 90 litros/dia, podendo este valor ser alterado com incremento de 20 a 100% pelo estresse térmico.

Entendendo o comportamento e a necessidade animal é possível fazer uma melhor projeção da demanda por água em certos momentos do dia. Isso porque até 2 horas após a ordenha, 75% dos animais vão até os bebedouros e cerca de 30 a 50% da ingestão diária de água de vacas em lactação ocorre até uma hora após as ordenhas. Isto mostra que é preciso um bebedouro com grande capacidade de armazenamento de água para saciar a necessidade de todo lote, além de alta vazão do bebedouro, pois a demanda após a ordenha é maior. Outro fator a se atentar é que é preciso ter disponíveis bebedouros com água limpa e fresca nas demais instalações que as vacas permanecerem.

 

Cochos

Mencionamos acima a importância de bebedouros bem estruturados e capazes de atender a demanda por água pelas vacas. Então, para o fornecimento da dieta, o cocho também precisa ser dimensionado para atender a necessidade de alimentação diária das vacas. O espaço linear, altura e profundidade do cocho precisam ser compatíveis ao tamanho do lote e dos animais.

O indicado é que a área linear deve ter pelo menos 46 centímetros quando os animais têm acesso em período integral aos alimentos e de 0,8 a 1 metro quando estão em regime de acesso limitado ou quando não é possível separar as primíparas das multíparas. A altura e profundidade dependem da altura média dos animais, variando, em geral, pela raça.

Divisão de lotes

Algumas práticas de manejo podem ser adotadas para otimizar o manejo alimentar e, neste sentido, recomenda-se separar os animais em lotes com animais de semelhante exigência nutricional, buscando sempre grupos homogêneos.

O intuito da formação de lotes é proporcionar oportunidade para que todas as vacas tenham acesso ao cocho, evitando dominância de animais. O agrupamento pode ser feito seguindo os fatores: ordem de partos (primíparas e multíparas); produção de leite (alta, média e baixa produção); escore corporal; dias em lactação (DEL); situação reprodutiva.

Rotina

Por fim, sabemos que bovinos leiteiros são animais extremamente responsivos à rotina implantada, ou seja, qualquer alteração no manejo diário bem como nos horários de manejo, refletem no consumo e no desempenho animal.  Então, é preciso ter rotina estabelecida de horários, prezar pela qualidade do alimento fornecido todos os dias e buscar fornecer dieta semelhante (não alterar bruscamente).

Neste artigo, trouxemos tópicos para que possam ajudar no correto manejo alimentar do rebanho. É ideal analisar as medidas que podem ser adotadas em sua propriedade com intuito de favorecer o desempenho animal por meio da otimização do consumo.

 

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