BIOSSEGURIDADE

Covid-19 e propriedade de leite: cuidados que o produtor deve tomar

Em tempos de pandemia, a biosseguridade tornou-se um conceito vital para produtores rurais

Rubens Neiva e Carolina Rodrigues*
Do Núcleo de Comunicação da Embrapa Gado de Leite

A biosseguridade ganha nova dimensão nas fazendas, com a pandemia do novo coronavírus. Esse conceito,que envolve tanto a saúde dos animais quanto a do ser humano, é o conjunto de procedimentos adotados para lidar com os desafios que os agentes patogênicos impõem à produção animal.Antes de mais nada, é importante deixar claro: as vacas não pegam, nem transmitem para as pessoas a Covid-19. O coronavírus do bovino (BCoV) é diferente daSars-Cov-2, que surgiu na China e causa a Covid-19. Específico dos bovinos, oBCoV traz prejuízos econômicos para o produtor e pode provocar diarreia neonatal (bezerros) e disenteria de inverno (bovinos adultos), mas não causa doenças no ser humano, seja na lida com o rebanho, seja no consumo de carne ou leite.Segundo pesquisadores do Instituto Biológico (IB-APTA), há vacinas no mercado contra o coronavírus bovino, mas não há tratamento para os animais doentes e, como medida de contenção, o produtor deve separar o animal contaminado e adotar medidas para evitar desidratação e infecções oportunistas.

Segundo o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Márcio Roberto da Silva, os estudos de transmissão da Covid-19 por animais ainda não são muito amplos, embora haja registros de transmissão do ser humano para outras espécies como felinos (tigres, leões e gatos). Há ainda um caso relatado em que um cachorro se infectou na Coreia do Sul. “Por enquanto, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o ser humano é o principal reservatório da doença”, diz Silva. Mas isso não significa que as fazendas de leite estejam livres do problema. Pelo contrário. Os cuidados no campo devem ser redobrados.

Arquivo Embrapa Gado de Leite

"Por enquanto, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o ser humano é o principal reservatório da doença”, diz Silva. Mas isso não significa que as fazendas de leite estejam livres do problema. Pelo contrário. Os cuidados no campo devem ser redobrados”

Márcio Roberto da Silva

O vírus se espalha principalmente por contato direto de pessoa para pessoa, entre indivíduos que estão próximos, por meio de gotículas respiratórias, ou de forma indireta, por contato com superfícies contaminadas.Silva alerta que essas duas formas de contágio são possíveis na lida diária com o rebanho(veja entrevista no box 1). Numa sala de ordenha, por exemplo, há equipamentos cujas superfícies aumentam a sobrevida do vírus. É o caso de plásticos e aço inoxidável, onde o novo coronavírus permanece ativo por até três dias (box 3). A própria vaca pode se tornar um vetor mecânico de transmissão da doença. Imagine uma situação na qual o animal esteja sendo ordenhado por um vaqueiro contaminado; essa pessoa espirra ou tosse próximo à vaca e o vírus se impregna na pelagem do bovino. Outras pessoas correm o risco de adoecer ao manusear a região contaminada dessa vaca e levar as mãos ao rosto. Por isso, Silva é taxativo: “Os mesmos cuidados, como o uso de máscaras e higiene das mãos e ambientes, amplamente divulgados para a sociedade, devem ser tomados pelos trabalhadores numa propriedade leiteira. E atéacentuados, pois além da própria saúde, o trabalhador está lidando com a produção de alimentos que outras pessoas irão consumir”.

Numa sala de ordenha, por exemplo, há equipamentos cujas superfícies aumentam a sobrevida do vírus. É o caso de plásticos e aço inoxidável, onde o novo coronavírus permanece ativo por até três dias

Cuidados para manter o sistema saudável

Boas práticas – A adoção de boas práticas agropecuárias já oferece segurança para quem lida com a produção de leite. “Mesmo a vaca não transmitindo a Covid-19, pode transmitir outras doenças como tuberculose, brucelose, leptospirose e raiva”, diz o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Alessandro se Sá Guimarães. Segundo ele, no ambiente rural há também animais silvestres que veiculam zoonoses, como o javaporco (cruzamento do javali com o porco), que se tornou uma praga em muitas regiões e deve ser controlada. “O produtor de leite está despertando para a questão da biosseguridade; muitas propriedades tornaram-se mais rigorosas com o acesso de pessoas e veículos à fazenda, exigindo jalecos adequados e propé (sapatilhas descartáveis para evitar que os sapatos contaminem o local).” Isso é algo comum em unidades de produção de suínos e aves, que o produtor de leite está incorporando.

SISTEMA PERSONALIZADO SEGUNDO AS CARACTERÍSTICAS E A SITUAÇÃO DE CADA PROPRIEDADE

“Roupas limpas e mãos higienizadas são cuidados essenciais para uma ordenha higiênica e segura, que também exigem saúde do trabalhador esanidade da vaca, além do controle da mastite para a obtenção de um leite de qualidade e seguro”, confirma a também pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, Wanessa Araújo Carvalho (veja no box 2 as medidas para uma rotina segura na fazenda). Medidas higiênicas, ainda que não eliminem completamente o vírus, podem fazer com que o trabalhador tenha contato com uma menor quantidade de vírus, caso se contamine em alguma circunstância. “Ainda existem poucos estudos a respeito, mas uma baixa carga viral tende a influenciar na gravidade da doença”, conta Wanessa. A pesquisadora conclui que a pandemia vai mudar o mundo,valorizandoa biosseguridade e levando a mais investimento em tecnologias renováveis e sustentabilidade. “Tudo leva a crer que o novo coronavírus surgiu numa feira de animais silvestres. Já avançamos demais sobre a natureza e é hora de retroceder, aplicando mais recursos na ciência para a adoção de tecnologias limpas e seguras para a humanidade”.

Entrevista: Márcio Roberto Silva (Na fazenda ou fora dela – veja como se proteger da Covid-19)

O pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Márcio Roberto Silva, é formado em medicina veterinária pela Universidade Federal de Viçosa e doutor em Saúde Pública (epidemiologia) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Nesta entrevista, ele esclarece sobre alguns aspectos do Covid-19 e os cuidados que consumidores e produtores devem ter em relação ao leite e derivados lácteos.

Agência Embrapa de Notícias – Desde que a OMS declarou a pandemia pelo novo coronavírus, a maior preocupação da sociedade é se proteger do vírus. Como ele se espalha numa comunidade?

Márcio Roberto Silva – Pega-se a Covid-19, principalmente, de pessoas contaminadas pelo vírus. A doença pode se espalhar de pessoa para pessoa por meio de pequenas gotículas expelidas pelo nariz ou boca, quando alguém com COVID-19 tosse, espirra ou conversa. Essas gotículas, chamadas aerossóis, ficam suspensas no ar por algum tempo, podendo infectar diretamente pessoas próximas, pelas vias respiratórias. Parte dessas gotículas se depositam na superfície dos objetos e quando alguém tem contato com as mesmas e depois leva a mão aos olhos, nariz ou boca, está carreando o vírus para dentro do próprio organismo. Por isso a OMS recomenda o distanciamento de, no mínimo, um metro entre as pessoas, mesmo que estas não tenham os sintomas da doença. A recomendação do Ministério da Saúde é, também, o uso de máscaras de pano caseiras por todos os cidadãos. É importante lembrar que a Covid-19 nem sempre manifesta sintomas e que alguém contaminado, mas aparentemente saudável, pode contaminar outras pessoas. A OMS alerta que de modo a garantir que a cadeia de suprimentos de alimentos permaneça intacta e evite desabastecimento, há uma urgência de introduzir medidas adicionais para proteger os trabalhadores de contraírem a Covid-19; prevenir o risco de exposição e fortalecer as práticas existentes de higiene e segurança de alimentos.

Agência Embrapa de Notícias – Desde que a OMS declarou a pandemia pelo novo coronavírus, a maior preocupação da sociedade é se proteger do vírus. Como ele se espalha numa comunidade?

Márcio Roberto Silva – Pega-se a Covid-19, principalmente, de pessoas contaminadas pelo vírus. A doença pode se espalhar de pessoa para pessoa por meio de pequenas gotículas expelidas pelo nariz ou boca, quando alguém com COVID-19 tosse, espirra ou conversa. Essas gotículas, chamadas aerossóis, ficam suspensas no ar por algum tempo, podendo infectar diretamente pessoas próximas, pelas vias respiratórias. Parte dessas gotículas se depositam na superfície dos objetos e quando alguém tem contato com as mesmas e depois leva a mão aos olhos, nariz ou boca, está carreando o vírus para dentro do próprio organismo. Por isso a OMS recomenda o distanciamento de, no mínimo, um metro entre as pessoas, mesmo que estas não tenham os sintomas da doença. A recomendação do Ministério da Saúde é, também, o uso de máscaras de pano caseiras por todos os cidadãos. É importante lembrar que a Covid-19 nem sempre manifesta sintomas e que alguém contaminado, mas aparentemente saudável, pode contaminar outras pessoas. A OMS alerta que de modo a garantir que a cadeia de suprimentos de alimentos permaneça intacta e evite desabastecimento, há uma urgência de introduzir medidas adicionais para proteger os trabalhadores de contraírem a Covid-19; prevenir o risco de exposição e fortalecer as práticas existentes de higiene e segurança de alimentos.

É fundamental a higienização dos instrumentos e materiais e depois o descarte correto de luvas, seringas e agulhas

Dez medidas na propriedade contra o novo coronavírus

“A única forma de prevenção da Covid-19 é o fortalecimento das medidas de biosseguridade”, afirma o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Guilherme Nunes. Ele é um dos autores do documento publicado em 2018 (https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/202288/1/Biosseguridade-Propriedade-Leiteira.pdf)com orientações para ampliar as barreiras sanitárias na bovinocultura leiteira, evitando a disseminação de doenças parasitárias, bacterianas e virais.

Uma medida ideal de controle seria o produtor rural monitorar temperatura e condições de saúde dos empregados na chegada à propriedade, afastando por duas semanas ou mais os trabalhadores com sintomas da doença. O afastamento também é recomendado para quem vive na mesma casa de uma pessoa infectada e aqueles que pertencem a grupos de risco para a Covid-19.

A rotina na propriedade rural deve levar em conta os seguintes cuidados:

1 – Lavar as mãos com água e sabão antes de iniciar a jornada, durante o manejo com os animais e ao final do trabalho. Quando possível, tomar banho antes de entrar na área limpa da ordenha.

2 – Evitar tocar olhos, nariz e boca, mesmo com as mãos lavadas. Quando espirrar ou tossir, cobrir a boca usando toalha de papel e descartar no lixo orgânico. Na falta de toalha de papel, usar o antebraço, nunca as mãos.

3 – Botas, macacões e aventais são equipamentos de proteção individual (EPIs). Devem ser utilizados somente na propriedade e lavados periodicamente. Quem trabalha na ordenha, deve manter unhas curtas e cabelo preso com touca ou boné.

4 –Não compartilhar objetos pessoais, como toalha de rosto, copo, cigarro, chimarrão e tereré.

5 – Higienizar equipamentos/ferramentas de uso comum, veículos e as instalações com desinfetantes a base de hipoclorito 0,2% ou álcool 70%. É importante evitar o acúmulo de matéria orgânica, que dificulta ou inviabiliza a ação de desinfetantes. Não é aconselhado varrer a seco refeitórios, banheiros e escritórios. E tenha cuidado especial na sala de ordenha. É fundamental realizar o processo de limpeza e desinfecção duas ou três vezes por dia, após cada ordenha.

6 –Evitar aglomerações. Reduzir o número de trabalhadores em escala em um mesmo local. É importante respeitar o distanciamento de pelo menos um metro entre as pessoas. Quando for necessário ir a centros urbanos, evitar levar toda a família. No deslocamento em veículos com outras pessoas, usar máscaras e manter janelas abertas para a troca de ar.

7 –Planejar a compra de insumos, tornando a ida ao comércio e a entrada de veículos na propriedade menos frequentes.

8 –Resolver o que for possível por telefone. Se for necessário receber um visitante, não tenha contato direto, como aperto de mão, e evite o acesso a áreas de trânsito dos animais. O caminhão que busca o leite, o que entrega ingredientes da dieta e outros veículos externos devem circular por locais diferentes das áreas de trânsito de animais. Além disso, é importante que passem pelorodolúvio para lavar os pneus.

9 –Os prestadores de serviço técnico devem usar um conjunto de EPIs para cada propriedade e tomar cuidados básicos, como lavar as mãos e os calçados logo na chegada.

10 –Repassar aos trabalhadores da fazenda o programa de biosseguridade e as ações a serem executadas, para que nenhum passo seja negligenciado.

AEN – E quanto ao alimento em si?

MRS – Quando a embalagem é aberta, o alimento fica exposto. Caso quem o manipule seja alguém com Covid-19, há também a possibilidade de contaminá-lo por meio dos aerossóis e gotículas, produzidos. Mas, com o cozimento, fervura, etc, o vírus é destruído e ainda não há evidências de que o vírus possa ser transmitido via alimento. Quando aos alimentos consumidos frescos; verduras e frutas por exemplo, eles também devem ser muito bem higienizados com solução de hipoclorito de sódio (água sanitária), de preferência. É importantíssimo adotar sempre as boas práticas de segurança alimentar. Manuseie carne crua, leite ou órgãos de animais com cuidado para evitar contaminações cruzadas do alimento por pessoas infectadas e evite o consumo de produtos de origem animal crus ou malcozidos. Essa é uma recomendação da OMS que vale em todas as circunstâncias. Em tempo de pandemia, vale ainda mais.

AEN – E o leite cru ou derivados de leite cru como queijos, o que você recomenda?

MRS – Como se trata de uma doença muito nova, o nosso entendimento sobre a propagação e o risco que os alimentos representam pode mudar à medida que mais informações se tornem disponíveis. Assim, como já exposto, a própria OMS reforça evitar o consumo de produtos de origem animal crus ou malcozidos. No caso do leite cru, aquele ordenhado da vaca, sem nenhum processamento, e consumido na fazenda, a recomendação é que seja fervido. Já o queijo feito em casa, com leite cru, esse deveria ser consumido assado ou cozido para evitar uma suposta transmissão não apenas do novo coronavírus, mas de várias outras doenças comprovadamente veiculadas por leite e derivados.

AEN – Quanto ao leite pasteurizado? O processo de pasteurização destrói o vírus?

MRS – A pasteurização é feita para isto, destruir todos os tipos de contaminantes. Logo, o leite pasteurizado não transmite a Covid-19. O vírus pode sobreviver à baixas temperaturas, mas é sensível ao calor. Pesquisas realizadas na China, durante a epidemia em Wuhan, mostraram que, a 4°C, houve uma pequena redução até o dia 14 de acompanhamento do número inicial de vírus experimentalmente testado em amostras clínicas. Mas, com a incubação a uma temperatura de 70 °C, o tempo de inativação do vírus foi reduzido a 5 minutos. Enfim, a pasteurização de produtos lácteos inativa o vírus, de modo que não há perigo de que os consumidores possam contrair a doença enquanto consomem produtos lácteos pasteurizados.

AEN – Na fazenda, produtor de leite ou ordenhador podem contrair a Covid-19 durante o trabalho?

MRS – A doença é altamente contagiosa e é perfeitamente possível que isso ocorra. As regras de higienização valem para todos, no campo e na cidade, e não custa repeti-las aqui: mantenha a distância de no mínio um metro entre as pessoas; intensifique a rotina de higiene pessoal e lave sempre as mãos; evite tocar os olhos, nariz e boca e, se não for possível, higienize as mãos antes; pratique a higiene respiratória; utilize somente lenços de papel; cubra a boca e o nariz ao tossir ou espirrar com os lenços, descartando-os no lixo imediatamente; na falta de lenço de papel, cubra com o antebraço e não com as mãos. Fique atento ao estado geral da própria saúde e siga as instruções da Unidade de Saúde em seu município.

A sobrevida do SARS-COV-2 suspenso no ar ou em superfícies

– Ar – Três horas.

– Cobre – Quatro horas.

– Papelão – 24 horas.

– Plásticos – De dois a três dias.

– Aço inoxidável – De dois a três dias.

– Tecidos com fibras naturais–Não há relatos científicos sobre o tempo de sobrevida nessas condições.

O novo coronavírus pode ser neutralizado em um minuto, desinfetando superfícies com álcool 62-71%, água oxigenada a 0,5% e hipoclorito de sódio a 0,1%. Sabão e detergentes são também grandes aliados contra a Covid-19.

Fonte: Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC).

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