No primeiro dia deste mês foi comemorado o Dia Mundial do Leite, uma data criada pela FAO, a entidade da Organização das Nações Unidas que cuida de assuntos relacionados à agricultura e à alimentação. O propósito foi universalizar uma data tradicional em vários países da Europa, que instituíram dias nacionais de comemoração visando estimular o consumo de leite e derivados. Nesta data, no mundo todo, órgãos de governo ligados à saúde e nutrição e as entidades de representação de classe promovem campanhas de esclarecimento sobre o valor nutricional do leite, buscando estimular o consumo. Neste ano, não foi diferente. Mas nem sempre foi assim; afinal, faz pouco tempo que é possível entre nós estimular o consumo deste produto.

A trajetória do leite no Brasil permite entender bastante as transformações econômicas e sociais que ocorreram no nosso país nos últimos cinquenta anos. Em 1969, o brasileiro consumia, em média, 79 litros de leite e derivados por ano. No entanto, cerca de nove litros por habitante deste total chegavam à mesa de cada brasileiro por meio da importação, na forma de leite em pó, a preços muito baixos, pois eram subsidiados, vindos da Europa.

Também havia leite que chegava por meio de programas de doação do Governo Americano para programas sociais. Quando eu era pequeno, na faixa etária de dez anos, eu tomava leite na minha escola, doado pelos americanos. Nestes cinquenta anos, todavia, a população brasileira mais do que dobrou (cresceu em 133%), o consumo por habitante dobrou e as crianças em escolas brasileiras não mais precisam tomar leite americano ou europeu.

Em cinquenta anos, outras mudanças ocorreram. Naquela época, a principal região produtora de leite era a Zona da Mata de Minas Gerais, que produzia cerca de 4% da produção total do Brasil. Se esta proporção tivesse se mantido, a Zona da Mata produziria hoje mais do que o Estado de São Paulo e perderia posição apenas para Minas Gerais, Goiás e os três estados do Sul. E teria uma produção equivalente à do Uruguai. Mas hoje o cenário é outro… Em 50 anos o leite e toda a agricultura brasileira migraram para o então imprestável bioma do Cerrado.

Com a tecnologia gerada pela Embrapa e universidades, que fez do Brasil o único país agrícola no mundo tropical, Goiás despontou como o Estado do Leite nos anos noventa, mas perdeu esta condição décadas depois, para os três estados da Região Sul, por fatores extra porteira.

Há cinquenta anos o desafio era fazer uma vaca manter uma média de 6 litros de leite produzidos por dia. Diziam que o rebanho brasileiro era de dupla aptidão, ou seja, com condições de produzir leite e carne. Que nada! Na verdade, neste tipo de sistema de produção a vaca comia o que tinha de verde disponível e um pouco de farelo de trigo importado, com preços absurdamente subsidiados. Já os preços ao produtor e consumidor eram muito elevados, dada a escassez de leite.

Afinal, o que dá valor a um bem não é a sua utilidade, mas a sua escassez, ensina a teoria econômica. Tomar leite era caro e raro para a maioria da população.

A indústria de laticínios era muito pouco diversificada e explorava mercados de amplitude regionais. Predominavam as cooperativas, que detinham 70% do mercado, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, em que grandes centrais cooperativistas lideravam. Já o Nordeste era dependente do leite que vinha dos estados do Sul e do Sudeste.

Numa época em que o Brasil não tinha caminhões especializados em transporte de frios, o leite em pó era para as famílias a única forma de ingerir leite fluido. Somente nos anos oitenta o leite naturalmente fluido chegou às mesas da família nordestina, quando o tipo “longa vida” encurtou distâncias e tornou próximo Goiás do Ceará, e o Rio Grande do Sul, do Amazonas. Rondônia, o Estado que hoje é importante no leite e no café, ainda não tinha despertado para estas saborosas e rentáveis vocações.

Em cinquenta anos, fizemos uma transformação radical: sepultamos a expressão “tirador de leite”, acabamos com o comércio formal da carrocinha de leite, criamos raças genuinamente brasileiras, como a Gir Leiteiro e a Girolanda; criamos variedades de forrageiras totalmente adaptadas às condições climáticas, sendo que o Capiaçu é um exemplo que confirma o sucesso do programa de melhoramento vegetal da Embrapa.

Nossas empresas de laticínios se tornaram nacionais e desenvolvemos uma das cadeias logísticas de frios das mais sofisticadas do mundo. Conseguimos nos inserir no ambiente da genômica e melhoramos a acurácia preditiva do que se refere à condição de os nossos touros serem portadores de ganhos de produtividade em suas descendentes. E somos a cadeia produtiva com o ecossistema de inovação digital mais consolidado do agronegócio brasileiro.

Transformamos quase tudo. Falta, ainda, vencer dois desafios: melhorar a qualidade do leite e a gestão. Sem isso, não seremos eficientes, nem competitivos. Sem isso, não mudaremos de patamar.

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