O resultado prático dessa inovação, positivo ou negativo, depende de um controle rígido do manejo do rebanho comercial, sendo indicada para uma classe de vacas consideradas repetidoras de cio, sobretudo durante o verão
Por Gabriela Tortorelli e Celso Carrer*
A bovinocultura de leite é uma das principais atividades do agronegócio brasileiro e que mudou muito em termos de qualidade e quantidade de produção nas últimas décadas. Praticamente em 20 anos, o Brasil deixou de ser importador de leite para assumir importante papel como exportador para outros países.
Segundo dados de 2018, o setor de produção leiteira era composto de 17,9 milhões de vacas produtivas (USDA,2018) produzindo 35,2 bilhões de litros de leite anualmente, o que colocou o país em 5º lugar no ranking mundial de produção leiteira (FAO,2018).
Como qualquer atividade do agronegócio brasileiro, ainda é possível um processo de profissionalização gradativo e crescente, com consequente aumento da produtividade, mesmo enfrentando, historicamente, condições pouco estáveis de mercado e de ambiente negocial no país.
Neste sentido, os produtores têm buscado se especializar, pressionados que estão de dois jeitos diferentes.De um lado, ocorre uma maior exigência dos laticínios em adquirir matéria prima de qualidade, forçando o produtor a se adequar às exigências ou retirando-o da rota de coleta de leite.Por outro lado, mas não menos importante que o primeiro, é necessário que os produtores aumentem sua escala de produção de modo a manterem-se competitivos, pois esse aspecto reduz tanto custos de transporte para a indústria como aumenta as margens de negócio para os produtores.
Dessa forma, definir as tecnologias e os métodos de produçãomais viáveis é condição básica para uma produção de leite com qualidade dentro deste sistema produtivo que vem sofrendo mudanças importantes ao longo das últimas duas décadas.
A área de conhecimento especializada em reprodução da bovinocultura leiteira tem sido alvo de muitos estudos, pois tem fundamental importância na eficiência de todo o sistema da fazenda produtora de leite. A boa nutrição, as condições de saúde dos animais e a gestão que possibilita um conforto para os animais, são fatores indispensáveis e que refletem diretamente no desempenho reprodutivo e, consequentemente, nos resultados de viabilidade do negócio (RENNÓ et al., 2008; NETO; BITTAR, 2018). Sendo assim, todas as variáveis que envolvem o resultado final na criação animal, acabam afetando diretamente a reprodução, uma vez que essa se apresenta como o “tendão de Aquiles” e aspecto mais delicado e difícil de resolver no processo produtivo (OJEDAS-ROJAS, 2015).
Com o intuito de melhorar a gestão reprodutiva e, consequentemente, aumentar os resultados econômicos na produção leiteira, utiliza-se, de maneira crescente, novas biotecnologias reprodutivas. As biotecnologias reprodutivas mais comumente utilizadas, atualmente, são: a Inseminação Artificial (IA), a Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), a Transferência de Embriões (TE) e a Fecundação in vitro(FIV). Cada uma destas técnicas deve ser utilizada de acordo com a necessidade de cada propriedade leiteira e com a disponibilidade de investimentos e domínio da técnica pela equipe profissional envolvida.
Aliada às biotecnologias reprodutivas, a suplementação de progesterona, pós IATF, surgiu como inovação no sentido de diminuir os problemas reprodutivos com vacas leiteiras e que influenciam na perda precoce de embriões(MANN et al., 2001; O’HARA, 2014; GARCIA-ISPIERTO; LOPES-GATIUS, 2017).Devido à sua ação na preparação do útero para desenvolvimento embrionário, a progesterona em baixos níveis circulantes no sangue não possibilita a manutenção da gestação.
Por sua vez, as vacas leiteiras de alta produção apresentam baixos níveis de progesterona circulante no sangue devido ao alto metabolismo do fígado, o que incorre em uma maior perda gestacional precoce. Por isso, buscou-se consolidar os estudos sobre o real impacto da progesterona injetável de longa ação como uma estratégia de inovação na propriedade leiteira, com a intenção de melhoria dos índices reprodutivos.
O objetivo do presente experimentofoi verificar o efeito da aplicação intramuscular de 900 mg de progesterona, pós IATF, em vacas da raça holandesa de alta produção, por meio da avaliação da taxa de concepção aos 30 e 60 dias pós inseminação e da perda gestacional entre os mesmos períodos.
O rebanho foi separado entre os lotes que receberam e não receberam a progesterona injetável. Diversas variáveis, tais como época do ano, número de inseminações realizadas e número de gestações anteriores foram controladas de forma a se isolar, efetivamente, o efeito da aplicação de progesterona no desempenho reprodutivo do rebanho experimental.
A ideia foi tentar verificar se a aplicação de progesterona, pós IATF, na dose escolhida e no protocolo adotado para vacas da raça holandesa de alta produção, influenciava na taxa de concepção aos 30 e 60 dias e na redução da Perda Gestacional Precoce do rebanho de vacas leiteiras.
A propriedade em que ocorreu este experimento fica na região nordestedo estado de São Paulo. A produção leiteira da propriedade contava com um rebanho de 450 vacas leiteiras da raça Holandesa Preta e Branca, com média de produção de 30 litros por vaca por dia e média total de produção de 12 mil litros por dia de leite. Durante o período experimental, foram realizadas 3 ordenhas diárias em todas as vacas em lactação do rebanho.
As vacas em lactação eram alojadas em galpões “free-stall”,que é um sistema de criação composto por baias individuais, nas quais os animais entram e saem espontaneamente para repousarem sobre um piso coberto por cama. Havia acesso livre à água fresca e cocho de alimentação, divididas em lotes por período reprodutivo, formando grupos de produção de até 60 vacas/grupo. O número de baias das instalações excedia 10% do total de animais no lote e as mesmas eram cobertas por cama feita de raspas de pneu. Havia ventilação e nebulização controladas por sensores que mediam a temperatura no local, em que, a partir de 19ºC de temperatura ambiente, os ventiladores e nebulizadores eram acionados automaticamente.
Como alimento, foi fornecida ração balanceada, formulada por veterinário nutricionista, composta por volumoso e concentrado pré misturados por vagão forrageiro e fornecida 3 vezes ao dia.
O manejo reprodutivo do rebanho de leite foi realizado por meio de acompanhamento do Médico Veterinário responsável, semanalmente, com inspeção de vacas selecionadas por meio de software de controle reprodutivo.
As vacas receberam protocolo de Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) quando em estado reprodutivo saudável e quando não apresentavam prenhez confirmada aos 30 dias pós inseminação.
O presente trabalho, por se tratar de único rebanho comercial com um grande lote de vacas em lactação, apresentou homogeneidade de formação entre os grupos com e sem tratamento de progesterona, quando consideradas as variáveis de número de lactações, número de inseminações e dias em lactação. A não diferença estatística para essas características, a priori, possibilitou que os grupos originais pudessem ser avaliados em subgrupos. Por sua vez, essa estratégia permitiu avaliar com maior acurácia dos efeitos do tratamento de progesterona e suas interações em diferentes classes de vacas.
Quando analisadas as classes de vacas e os períodos de aplicação, a utilização dessa inovação reprodutiva mostrou resultados diferentes dependendo da classe de vacas analisadas. Neste sentido, a taxa de concepção em vacas de primeiro parto, no inverno e que receberam de 1 a 4 inseminações, se apresentou prejudicada e com 63% menos chance de se tornarem prenhes aos 30 dias com a suplementação de progesterona pós-IATF.
Enquanto, nas vacas consideradas repetidoras de cio, no verão, a suplementação de progesterona beneficiou tanto a taxa de concepção aos 30 dias como aos 60 dias. Obteve-se o resultado de que uma vaca que recebeu progesterona 4 dias após a IATF, já tendo mais de 4 inseminações, no período de verão, apresenta 2,5 vezes mais chance de se tornar prenhe aos 30 e aos 60 dias. Consequentemente, pode-se concluir por um efeito benéfico desta prática, gerando uma Influência positiva na reprodução para as taxas de concepção aos 30 e 60 dias dessa classe de animais dentro de um rebanho leiteiro.
No entanto, os resultados demonstraram que houve maior perda gestacional em vacas tratadas com progesterona pós-IATF, considerado o rebanho em geral, sem distinção de classe de lactação, número de inseminações e época do ano.
Resumindo muito, o resultado prático dessa inovação, positivo ou negativo, depende de um controle rígido do manejo do rebanho comercial, sendo indicada para uma classe de vacas consideradas repetidoras de cio, sobretudo durante o verão.
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*Gabriela Tortorelli, médica veterinária e mestre pela FZEA/USP, sob a orientação do prof. Celso Carrer, FZEA/USP
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