Custos de produção, de mão de obra e de energia elétrica, entre outros, reprimem a produção e afetam a competitividade do leite brasileiro, abrindo as portas para a importação

Por Glauco Rodrigues Carvalho

O ano de 2016 tem sido recheado de incertezas e oscilações no mercado de leite e insumos, dificultando muito a gestão do negócio, seja para o produtor ou para o laticínio. O preço do milho registrou uma elevação substancial devido à quebra da safra brasileira de inverno. Essa alta contaminou também a soja, e o custo de alimentação do rebanho foi elevado a patamares historicamente altos.

Em junho de 2014 eram necessários 36 litros de leite para adquirir 60 kg de ração à base de milho e soja. Em junho de 2015 foram 35 litros para a mesma quantidade de ração. Já em junho de 2016, o volume de leite para adquirir a ração foi de 47 litros, uma alta de 35% em relação ao mesmo mês do ano anterior. O Índice de Custo de Produção de Leite (ICPLeite/Embrapa) subiu 20% entre agosto de 2015 e agosto de 2016, puxado pelos concentrados, cuja alta foi de 37% no mesmo período.

Uma forma simples de ver a relação entre preço do leite e insumos é analisar o preço do leite deflacionado pelo custo de produção. Dessa forma, tem-se uma avaliação precisa sobre a relação de troca (preço versus insumos) no tempo. A figura 1 mostra essa evolução com destaque para os seguintes pontos: 1) 2015 foi o pior ano da série iniciada em 2007; 2) O primeiro semestre de 2016 foi igualmente ruim para o produtor; 3) os dois motivos anteriores explicam boa parte da recente recuperação de preços, ou seja, a situação de rentabilidade ruim levou a uma forte queda na oferta, que afetou os preços pagos ao produtor.

figura1Vale destacar que a deterioração na renda do produtor induziu a saída de produtores da atividade, seja pela venda/ abate de animais, aluguel/venda de propriedade, mudança de atividade, e/ou retorno da genética para rebanhos menos especializados em leite, no intuito de aproveitar o bom momento do mercado de bezerros. A dimensão dessas mudanças é ainda desconhecida, mas certamente não é desprezível. As vendas de sêmen para leite caíram 27% no primeiro semestre de 2016 ante o mesmo período de 2015, volume equivalente a 625 mil doses.

Diante da elevação recente de preços ao produtor, de 50% em oito meses, e do cenário internacional oposto (preços baixos) houve uma piora substancial na balança comercial de leite e derivados. As importações de produtos lácteos atingiram US$ 397 milhões no acumulado do ano até agosto/2016, sendo 65% desse valor referente a leite em pó. Com isso, o déficit comercial atingiu US$ 276 milhões. As compras só não foram maiores devido à queda de produção no Uruguai e na Argentina, os principais fornecedores, que atingiu cerca de 13% comparando-se o primeiro semestre de 2016 com o mesmo período de 2015.

Além disso, a cota de importação de leite em pó oriundo da Argentina, de 4,3 mil t/mês, segurou um pouco a entrada de lácteos. Apesar disso, as importações atingiram patamares próximos aos observados em 2012, quando a taxa de câmbio era de 1,95 reais/dólar (figura 2). O volume de importação brasileiro não é tão representativo frente à produção doméstica, mas suficiente para afetar os preços, que são formados de forma marginal seguindo a lei da oferta e demanda.

figura2Com essa ideia em mente é que o Governo autorizou a reconstituição do leite em pó para a produção de UHT, nas regiões de abrangência da Sudene-Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, pelo período de um ano. Esqueceram apenas de considerar a sazonalidade da produção e preços do leite, já que no segundo semestre é natural que os preços recuem, com uma expansão da oferta no período das águas. O mercado de UHT já tem sinalizado nesta direção, com preços próximos de R$ 2,50 a 3,00 por litro no mercado atacadista paulista.

Leite brasileiro caro e sem competitividade
Oscilações de preços à parte, uma questão preocupante refere-se à alta competitividade das importações em relação ao preço doméstico. Enquanto o preço médio do leite em pó no Brasil ficou em US$4.295/t nos sete primeiros meses do ano, o do importado da Argentina foi de US$ 2.334/t (tabela 1). Outros fornecedores conseguiram vender a preços igualmente competitivos. Em julho/2016, o leite em pó importado chegou a US$ 2.567/t, enquanto no mercado brasileiro estava em US$ 5.646 (figura 3). Em junho/2016, o preço internacional ao produtor por litro foi de US$ 0,26 na Nova Zelândia; US$ 0,24, na Alemanha, e US$ 0,29, na Argentina.

tabela1

figura3Realmente uma disparidade grande com a realidade atual brasileira. Não que os preços lá fora estejam rentáveis, o que de fato não é o caso, mas o diferencial entre o preço doméstico e o internacional está muito alto. A tendência é de que esse diferencial se reduza nos próximos meses, em função do declínio sazonal dos preços no Brasil e da recuperação das cotações no mercado internacional. Existe um ambiente externo de baixa rentabilidade em vários países induzindo a uma desaceleração da oferta global.

O fato é que essa baixa competitividade doméstica tem deixado as exportações cada vez mais distantes e aumentado a exclusão de produtores. Existe um problema relacionado à estrutura fundiária, ineficiência no processo produtivo e custo Brasil, que tem prejudicado a competitividade brasileira. O setor tem sofrido forte influência negativa relacionada ao custo Brasil, devido a estradas rurais precárias, altos encargos trabalhistas, baixa produtividade da mão de obra e altos custos de energia elétrica.

Tais fatores fazem com que o País incorra em altos custos em toda a cadeia produtiva. Os custos de captação de leite no Brasil são bem superiores aos observados nos EUA (sul da Califórnia), onde a captação por litro de leite ficou entre US$ 0,01 e 0,03 para distâncias entre 81 e 283 km, no mês de outubro/2015. No Brasil, os custos circulam entre US$ 0,05 e 0,10/litro, dependendo da distância e da capacidade do caminhão.

Os gastos previdenciários e tributos representam cerca de 33% do salário bruto de um funcionário (em alguns casos, mais do que isso), enquanto na Europa esse percentual é de 24,5%; nos Estados Unidos, 23,8%, e na Argentina, 17%. Na energia elétrica, os tributos e encargos setoriais representam cerca de 40% da tarifa, e o Brasil possui a sexta energia mais cara do mundo, segundo levantamentos da CNI-Confederação Nacional da Indústria.

O problema é que o setor de leite é intensivo em mão de obra e ainda não conseguiu incorporar o processo de mecanização e o pacote tecnológico que impulsionou o setor de grãos. Os produtores que utilizam predominantemente a mão de obra familiar são relativamente menos afetados em comparação com aqueles que ainda não são grandes, mas que precisam contratar mão de obra (e ter um folguista) para expandir a produção e ganhar em economia de escala.

Esses produtores estão tendo sérias dificuldades para se manterem na atividade leiteira e, pelo perfil, são atualmente os menos assistidos, pois enfrentam restrições de acesso ao Pronaf (não são exclusivamente familiares) e de acesso a outras fontes de fomento pelo alto custo do capital e baixo poder de negociação. O cooperativismo e o associativismo poderiam ser uma forma de superar essas falhas de mercado, já que o coletivo é sempre mais forte que o individual.

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Glauco Rodrigues Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora-MG.

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