Queijo Artesanal Serrano é um produto de grande importância econômica e ambiental para a região dos Campos de Cima da Serra – Foto: Felipe Câmara/Ascom Sedac
Com uma história profundamente ligada à cultura gaúcha, associada à pecuária extensiva e aos tropeiros, o modo de fazer queijo artesanal serrano é o terceiro saber reconhecido como patrimônio imaterial do Estado. A inscrição no Livro de Registro dos Saberes foi oficializada na tarde desta quarta-feira (30/10), em solenidade no Teatro Oficina Olga Reverbel, do Complexo Multipalco do Theatro São Pedro, em Porto Alegre. O evento contou com a presença da secretária da Cultura, Beatriz Araujo.
O trabalho de inventariação do mais novo bem imaterial dos gaúchos foi realizado por representantes da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ascar-Emater/RS) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com a assessoria técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), instituição da Secretaria da Cultura (Sedac).
Em seu pronunciamento, Beatriz lembrou do trabalho de reconhecimento e cuidado com o patrimônio material e imaterial que vem sendo realizado pelo governo estadual. “Esse momento foi construído a muitas mãos, durante muitos anos. É um início e agora é preciso preservar esse saber para que ele continue sendo especial e um diferencial para toda a região”, disse, ao lembrar que os dois primeiros registros de patrimônio imaterial foram realizados em 2023.
Conforme parecer técnico nº 007/2024, emitido pelo Iphae, a essência e os métodos tradicionais foram preservados, mesmo com as inovações tecnológicas, como a prensa hidráulica e o coalho industrial. A íntegra do documento, aprovado pela Câmara Temática do Patrimônio Cultural Imaterial em 6 de setembro, está disponível nesta página
Segundo o representante dos produtores do Queijo Artesanal Serrano, Alexander de Liz, a produção esteve perto de ser extinta. “De um produto que vivia à margem da legalidade, virou celebridade no Brasil e passou a ser uma importante moeda de troca – assim se manteve a arte de produzir o Queijo Artesanal Serrano. Isso se deve ao trabalho de várias gerações”, contou. O produtor também agradeceu a Emater pelo trabalho de reconhecimento.
O primeiro bem imaterial reconhecido oficialmente foi o Sistema Cultural e Socioambiental da Erva-Mate Tradicional, registrado em junho de 2023. O modo de fazer artesanato com a palha de butiá, listado em agosto de 2023, foi o segundo inscrito no Livro dos Saberes.
A partir do registro, serão desenvolvidas medidas de salvaguarda junto às comunidades. A proteção do bem imaterial se dá nos eixos mobilização social e alcance da política; gestão participativa no processo de salvaguarda; difusão e valorização; produção e reprodução cultural.
Uma das primeiras pesquisas sobre o queijo serrano
“Sistema agroalimentar do Queijo Serrano: estratégia de reprodução social dos pecuaristas familiares dos Campos de Cima da Serra-RS” foi o tema da dissertação de mestrado da pesquisadora do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Desenvolvimento Sustentável e Irrigação (DDPA/Seapi), Larissa Ambrosini, realizada na UFRGS, de 2005 a 2007.
“Os resultados da pesquisa incluíram registrar a trajetória dessa produção e do papel do Queijo Serrano dentro da economia das propriedades ao longo do tempo. Foi um dos primeiros trabalhos publicados, seguido de muitos outros, que foram registros fundamentais para se pudesse chegar a esse reconhecimento, e dar, inclusive, visibilidade ao Serrano, que era um queijo pouco conhecido fora do seu território de produção”, destaca Larissa.
De acordo com a pesquisa, a produção de queijo a partir do leite da bovinocultura de corte – uma atividade de importância histórica, fundamental na formação da economia, cultura e ‘território’ do Estado – constitui uma particularidade do sistema, já que ele não foi intencionalmente organizado em função da produção do queijo. “Por outro lado, a atividade de queijaria tem importância crescente na ocupação das famílias, e o Queijo Serrano, além de reconhecido e procurado por consumidores, tem potencial de gerar externalidades positivas, constituindo fonte de renda, ocupação, e contribuindo para manutenção de uma cultura e de um ecossistema”, afirma Larissa.
Segundo Larissa, sua pesquisa se insere em um movimento maior, de diferentes atores e instituições que se mobilizaram para reconhecer esse saber fazer do Queijo Serrano como componente importante do modo de vida dos pecuaristas familiares dos Campos de Cima da Serra.
Para a pesquisadora, o reconhecimento do modo de fazer Queijo Artesanal Serrano como patrimônio imaterial do Rio Grande do Sul é uma forma de valorizar um produto que faz parte da história da formação do Estado, uma vez que a produção do queijo serrano remonta à ocupação dos primeiros habitantes não indígenas nos Campos de Cima da Serra. “Esse saber fazer é uma das expressões de um modo de vida que se constitui nesse território. Seu reconhecimento como um patrimônio pode ajudar a valorizar o Serrano e incentivar jovens produtores, salientando que a manutenção do sistema de bovinocultura nessas áreas significa a preservação de um ecossistema de pastagens naturais e de um modo sustentável de exploração dos recursos naturais”, explica Larissa.
Sobre o Queijo Artesanal Serrano
A produção do queijo artesanal serrano começou há mais de dois séculos, com o estabelecimento das primeiras fazendas na região dos Campos de Cima da Serra. A produção do queijo serrano surgiu concomitantemente à atividade pecuária de corte extensiva na região, empreendida por colonos portugueses.
Apesar das transformações tecnológicas do bem cultural, a rede de significados que o envolve permanece vinculada aos tropeiros e produtores de outrora. Isso porque os produtores atuais se apropriam culturalmente do modo de fazer de maneira a remeter suas técnicas produtivas e comerciais a essas figuras históricas.
O Queijo Artesanal Serrano é um produto de grande importância econômica e ambiental para a região dos Campos de Cima da Serra. Em muitos casos, a produção é a principal renda de pecuaristas familiares, que dependem da atividade para a manutenção de suas famílias.
Além disso, as peculiaridades de sabor e textura do queijo serrano se devem à técnica de produção artesanal aplicada sobre matérias-primas locais (gado de corte e pastagem) adaptadas ao clima da região, fazendo a produção ser vinculada à preservação da paisagem e seus recursos como forma de manutenção das especificidades do queijo atreladas aos seus insumos.
Mostra fotográfica
O evento também contou com uma apresentação de fotografias que retratam a tradição e o processo de produção do queijo, por ser um momento de celebrar uma conquista que representa a riqueza cultural e econômica do Rio Grande do Sul. As fotografias expostas foram registradas pelo fotógrafo Fernando Dias, da assessoria de comunicação da Seapi.
Fonte: SEAPI