Esse tipo de suplemento pode ser adicionado na dieta de várias categorias animais, desde que acompanhada pelo nutricionista da fazenda

Os efeitos do perfil de ácidos graxos sob parâmetros produtivos e metabolismo de bovinos leiteiros

Por Nathaly Ana Carpinelli

Zootecnista, UFPel

Ms. Produção Animal, SDSU

Coordenadora Comercial, Nutricorp

A utilização de suplementos energéticos a base de lipídios pode ser uma estratégia para promover o adensamento energético na dieta de vacas leiteiras, servindo como uma fonte de ácidos graxos essenciais, aumentando a absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e a palatabilidade da dieta. Além disso, promovem um menor incremento calórico ruminal e melhoram a homogeneidade dos ingredientes durante a mistura da dieta/alimentos.

 Esse tipo de suplemento pode ser adicionado na dieta de várias categorias animais, desde que acompanhada pelo nutricionista da fazenda. Os lipídios podem servir como uma alternativa para períodos de baixo consumo de matéria seca, por exemplo, durante o período de transição. Nessa fase, sabe-se que as vacas diminuem o CMS principalmente antes do parto e, por isso, a suplementação poderia ser feita durante o período seco visando que, mesmo sob um baixo CMS, o consumo de energia seja maximizado. Além disso, devido aos efeitos positivos na reprodução, a suplementação pode ser uma boa opção para novilhas ou vacas lactantes antes do início do protocolo reprodutivo. Por fim, a utilização desse suplemento em vacas no período de lactação pode trazer benefícios nos aspectos produtivos dos animais, além da substituição por ingredientes energéticos que estejam elevando o custo da dieta.

 Os sais cálcicos de ácidos graxos são moléculas de lipídios encapsulados com sabões de cálcio, com a finalidade de diminuir a biohidrogenação ruminal e o consequente efeito antimicrobiano dos ácidos graxos no rúmen. A maioria dos  sais cálcicos de ácidos graxos disponíveis no mercado normalmente apresentam altas concentrações de ácido graxo de cadeia longa que são advindos principalmente de fontes vegetais, podendo apresentar cadeia saturada ou insaturada. Nessas fontes, eles são mais observados e incluem o ácido palmítico (C16:0), esteárico (C18:0), oleico (C18:1) e linoleico (C18:2n-6; Loften et al., 2014). As vantagens da utilização dos SCAG na dieta de vacas leiteiras são:

  • Efeito bypass pelo rúmen: Os lipídios protegidos escapam do processo de fermentação ruminal. Para os ácidos graxos monoinsaturados (C18:1) e poliinsaturados (C18:2n-6), a proteção é ainda mais importante, pois se tornam mais susceptíveis ao processo de biohidrogenação ruminal através da ação de algumas bactérias (Butyrivibrio fibrosolvens e Anaerovibrio lipolytica).
  • Maior fornecimento de ácido graxo ao duodeno: Os lipídios seguem diretamente para o duodeno, onde ficam disponíveis para absorção e utilização no metabolismo.

Sendo assim, quando os sais cálcicos de ácido graxo são incluídos na dieta, eles não servem somente como uma fonte de energia, mas podem também atuar no metabolismo dos ruminantes e contribuir para funções produtivas e reprodutivas, demonstrando a sua função nutracêutica. Com base nisso, vamos apresentar os efeitos da suplementação de diferentes ácidos graxos no metabolismo e saúde de vacas leiteiras.

 

Dados em bovinos leiteiros

 

 Rabiee et al. (2012) conduziram uma meta-análise e meta-regressão para avaliar os efeitos da suplementação de diferentes fontes de gordura na produção e composição do leite em vacas leiteiras. Para o estudo, o conjunto final de dados analisados continha 38 estudos, resultando em 86 comparações de tratamento. Vale salientar que essa revisão não colocou um limite da inclusão do suplemento lipídico, que muitas vezes, pode não representar a realidade da nutrição das fazendas leiteiras. No entanto, a inclusão de suplementos lipídicos nas dietas de vacas leiteiras resultou em um aumento na produção de leite (1,05 kg/vaca dia), assim como na porcentagem e teor de gordura do leite. Em contrapartida, a suplementação lipídica diminuiu o CMS, resultando, assim, em uma melhor eficiência para produção de leite.

 Em geral, a maioria dos experimentos com suplementação lipídica na dieta de vacas leiteiras sugere um efeito positivo na produção e composição do leite. De acordo com Palmquist (1994), isso ocorre pelo aumento do consumo total de energia, uma geração mais eficiente de ATP vs. ácidos graxos voláteis (AGV) e pela incorporação de ácidos graxos de cadeia longa na gordura do leite. Além disso, um mecanismo proposto para o aumento na produção de leite pela suplementação com sais cálcicos de ácidos graxos é a “poupança de glicose” na glândula mamária, por exemplo. Essa glicose que não é utilizada para a produção de gordura do leite acaba sendo direcionada para outros processos, tais como a síntese de lactose e produção de leite.

 Os suplementos lipídicos encontrados no mercado apresentam diferentes perfis e porcentagens de graxos em sua composição, resultando em respostas produtivas e metabólicas distintas em vacas leiteiras. Em um estudo recente, de Souza et al. (2018) avaliaram os efeitos da alteração na proporção de ácido graxo de cadeia longa utilizando diferentes suplementos lipídicos. Em resumo, os efeitos de cada um pode ser resumido como:

  • Ácido palmítico (C16:0): aumento na produção de leite e gordura do leite.
  • Ácido esteárico (C18:0): aumento no CMS e na produção de leite.
  • Ácido oleico (C18:1): reposição de gorduras corporais, resultando em uma mantença e/ou recuperação mais acelerada do escore de condição corporal (ECC).
  • Ácido linoleico (C18:2n-6): processo inflamatório, imunidade e desenvolvimento embrionário. Além disso, há uma inibição na produção de leite, síntese da gordura do leite e CMS, associado ao processo de BH e formação de intermediários no rúmen.
  • Ácido linolênico (C18:3n-3): processo inflamatório, imunidade e sobrevivência embrionária.

 

Ácidos graxos saturados

 A utilização de suplementos a base de ácidos graxos saturados (AGS) vem mostrando resultados positivos em bovinos leiteiros. Os AGS mais comumente utilizados são o C16:0 e C18:0, advindos principalmente de óleos vegetais. Em uma revisão de literatura, Loften et al. (2014) descreveram a ação do C16:0 e C18:0 no metabolismo de vacas leiteiras e demonstraram que, apesar de suas funções serem específicas, elas ainda possuem papéis complementares no metabolismo.

 Apesar de o percentual de absorção desses AG no duodeno ser semelhante, a concentração nos tecidos pode ser diferente. Douglas et al. (2007) reportaram o perfil de AG no tecido adiposo, hepático e plasma sanguíneo, e observaram que o C16:0 é mais abundante quando comparado com o C18:0. Entretanto, durante o período de balanço energético negativo (BEN), o C18:0 não é acumulado no fígado, mostrando que, possivelmente, esse AG seja utilizado para oxidação ou secreção via leite. Em resumo, essa revisão demonstra que a suplementação combinada de C16:0 e C18:0 pode otimizar a produção de leite em vacas lactantes. Sendo assim, a utilização de suplementos que contenham ambos os AG poderia ser benéfica para os bovinos leiteiros.

 

Ácidos graxos monoinsaturados

 

 Em conjunto com os AGS, o ácido oléico (C18:1n-9) representa os principais AG encontrados nos suplementos lipídicos oferecidos aos rebanhos leiteiros (de Souza et al., 2018). Esses AG apresentam diferentes coeficientes de digestibilidade intestinal nos animais que, invariavelmente, afetará suas respostas produtivas e metabólicas. De acordo com essa afirmação, estudos anteriores demonstraram que o ácido oleico apresenta uma maior digestibilidade intestinal vs. ácido palmítico e esteárico (Boerman et al., 2015). Além disso, Freeman (1969) sugeriu que o ácido oleico apresenta efeito positivo na solubilidade micelar do ácido esteárico que, por sua vez, pode resultar em um aumento na digestibilidade de AG composto por 18 carbonos.

 Recentemente, de Souza et al. (2018) avaliaram o efeito da inclusão de ácido esteárico ou ácido oleico em uma dieta contendo ácido palmítico. A inclusão de ácido oleico na dieta reduziu o CMS vs. ácido palmítico e a combinação de ácido palmítico + esteárico. Em contrapartida, a digestibilidade da matéria seca e da fibra em detergente neutro (FDN) foi maior para animais recebendo a dieta a base de ácido palmítico e a combinação ácido palmítico + oleico vs. àqueles recebendo ácido esteárico.  De acordo com a hipótese, a inclusão de ácido oleico na dieta de vacas leiteiras causou um aumento na digestibilidade total dos AG e dos AG de 16-carbonos vs. ácido palmítico e a combinação de ácido palmítico + esteárico (de Souza et al., 2018). Além disso, esses dados demonstram que não só a quantia de AG consumidos, mas o perfil dos AG chegando ao intestino para absorção, afeta a digestibilidade dos nutrientes.

 A suplementação lipídica, independentemente da fonte, aumentou a produção de leite, mas a inclusão de ácido oleico e ácido esteárico na dieta reduziu a produção de gordura do leite vs. ácido palmítico. Já os dados de PV e ECC demonstraram que a inclusão do ácido oleico na dieta aumentou beneficiou esses parâmetros, reforçando o efeito desse AG no balanço energético corporal dos animais (de Souza et al., 2018).

 

Ácidos graxos poliinsaturados

 

 A suplementação de AG poliinsaturados (C18:2n-6) para bovinos leiteiros deve ser feita com muita cautela e acompanhada pelo nutricionista da fazenda, pois pode causar efeitos adversos nos aspectos produtivos da fazenda, tais como uma diminuição da gordura do leite. De acordo com Bauman & Griinari (2001), a depressão na gordura do leite é um conceito clássico é comumente observado em cenários onde suplementos lipídicos vegetais e/ou marinhos são oferecidos ao rebanho leiteiro. A explicação para isso é que esses AGs sofrem o processo de biohidrogenação ruminal. Em condições específicas, compostos intermediários, denominados ácidos linoleicos conjugados (CLA; trans-10, cis-12 CLA), modificam o funcionamento e a síntese de gordura na glândula mamária através da alteração na expressão de genes relacionados ao metabolismo lipídico (Bauman et al., 2011).

 Estudos demonstraram que a suplementação de SCAG de trans-10, cis-12 CLA resultou em uma consistente redução no nível de gordura do leite em vacas sob diferentes estágios de lactação (Bauman et al., 2011). Além disso, um estudo recente indicou que a suplementação de SCAG de CLA (15 g/kg MS) reduziu o teor de gordura no leite e o diâmetro dos glóbulos de gordura no leite (Xing et al., 2020). Isso porque na glândula mamária, a gordura do leite é secretada na forma de glóbulos, sendo estruturas únicas compostas principalmente de triglicerídeos envoltas sobre uma membrana lipídica. Alguns estudos avaliaram o efeito dos AG poliinsaturados em aspectos produtivos de vacas leiteiras. Macedo et al. (2016) demonstraram que a suplementação de SCAG de óleo de soja (250 g/dia) combinado com um nível baixo de concentrado (3 kg/dia) resultou em um aumento na produção de leite e não afetou os teores de sólidos e gordura no leite. Em contrapartida, de Souza et al. (2017) avaliaram o efeito da inclusão de SCAG de óleo de soja (4,9% MS) nos parâmetros produtivos de bovinos leiteiros a pasto. Os animais receberam o tratamento durante as semanas 3 e 16 pós-parto, sendo que o efeito carryover foi avaliado durante toda a lactação. O suplemento a base de SCAG de soja resultou em uma queda no CMS e teor de gordura do leite, mas promoveu uma menor mobilização das reservas corporais e pouca variação no PV e ECC dos animais durante toda a lactação.

De acordo com a revisão de Palmquist & Jenkins (2017), alguns estudos têm mostrado efeitos da utilização de gordura poliinsaturada no metabolismo dos animais. A infusão abomasal de C18:2 n-6 e C18:3 n-3 afetou a biossíntese de oxilipídios no tecido mamário e a severidade de mastite em vacas leiteiras (Ryman et al., 2017). Os oxilipídios são moléculas lipídicas mediadoras que auxiliam na regulação da resposta inflamatória. Os principais precursores dos oxilipídios são os AG poliinsaturados, sendo que sua síntese depende da disponibilidade dos AG e das enzimas envolvidas nas rotas metabólicas. A literatura atual suporta o conceito de que a suplementação com dietas que contenham AG poliinsaturados pode afetar a biossíntese e alterar a capacidade funcional dessas células envolvidas na resposta inflamatória (Sordillo, 2018).

Estudos in vitro reportaram os efeitos dos AG em células epiteliais bovinas da glândula mamária e concluíram que a suplementação com CLA e AGE afetou a resposta celular contra o estresse oxidativo (Basiricò et al., 2017). Outro estudo in vitro demonstrou que a suplementação com AG reduziu a expressão de citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias (Dipasquale et al., 2018). Em vacas leiteiras, a alteração na proporção de C18:2n-6 e C18:3n-3 afetou a função imune e a resposta inflamatória durante o desafio com lipopolissacarídeo (Greco et al., 2015).

 

 

 

 

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